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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Justiça permite adiamento de quitação de imóvel: se a construtora pode atrasar a entrega, o comprador também poderia atrasar o pagamento


É hora de o Judiciário se posicionar contra os abusos das construtoras de imóveis. Esta exemplar sentença demonstra, de forma clara, que o comprador não está obrigado a cumprir o contrato, se o vendedor não cumpriu a sua parte no avençado.
Não é de se tomar como regra, pois o posicionamento não é assente (infelizmente). Entretanto, a jurisprudência pode, e muito, analisar melhor as relações tão desequilibradas nas atuais vendas de imóveis na planta.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA DE SÃO PAULO
FORO REGIONAL XV - BUTANTÃ
1ª VARA CÍVEL
AVENIDA CORIFEU DE AZEVEDO MARQUES,148/150, São PauloSP - CEP 05582-000
0701119-60.2012.8.26.0704 - lauda 1
SENTENÇA
Processo nº: 0701119-60.2012.8.26.0704
Classe – Assunto: Procedimento Ordinário - Interpretação / Revisão de Contrato
Requerente: Berta Andressa de Caraccio Marques Kusumoto e outro
Requerido: Even Construtora...
Chamaeleon Even
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Mônica de Cassia Thomaz Perez Reis Lobo
Vistos.
BERTA ANDRESSA DE CARACCIO MARQUES KUSUMOTO, EMERSON
YOSHIO KUSUMOTO, qualificado(s) na inicial, ajuizou(aram) Ação Declaratória de Nulidade
de Cláusulas Contratuais, Indenização por Descumprimento Contratual, por Danos Morais,
Materiais e Perda de Chance com Pedido de Tutela Antecipada pelo Procedimento Ordinário em
face de Even Construtora Chamaeleon Even. Relatam que as partes firmaram instrumento
particular de compra e venda referente ao imóvel situado na Rua Trajano Reis, nº 777, unidade
64, do Edifício Walk, do empreendimento Club Park Butantã, com prazo para entrega em
fevereiro de 2011. No entanto, informam que depois de sucessivos atrasos na entrega e grandes
transtornos de ordem psicológica e material, o imóvel não foi entregue até a data da propositura
da presente ação. Alegam que em razão do referido atraso, estão sofrendo diversos danos, de
natureza material e moral. Sustentam, também, que no caso houve cobrança de juros indevidos
antes da entrega e posse do imóvel, desequilíbrio nas cláusulas contratuais, indevida cobrança de
comissão de corretagem, abuso de direito quanto à tolerância para atrasos, ilegal forma para
escolha da administradora e ilegalidade na cessão de direitos e obrigações, pleiteando a nulidade
das respectivas cláusulas contratuais. Pleiteiam a antecipação dos efeitos da tutela e, ao final,
requerem a total procedência da ação para o congelamento da correção monetária do saldo
devedor do imóvel desde o inadimplemento contratual, bem como a declaração de nulidade das
cláusulas contratuais que indicam, além da devolução do valor pago a título de corretagem e
aplicação de sanções previstas no contrato. Pretendem, também, a condenação da ré ao
pagamento de indenização por danos materiais e morais, bem como aplicação de multa à ré.
Requerem finalmente que os valores sejam corrigidos desde a citação, acrescidos de juros de 1%
ao mês, bem como seja a ré condenada ao pagamento das custas, despesas processuais e
honorários advocatícios. Com a inicial, juntaram documentos.
O pedido de tutela antecipada não foi deferido.
Citada, a requerida apresentou contestação. Alega, preliminarmente, sua
ilegitimidade passiva quanto ao pedido de devolução de valores desembolsados a título de
pagamento de comissão de corretagem, uma vez que os serviços de corretagem foram prestados
pela empresa Lopes Consultoria de Imóveis. Requer assim, o acolhimento da preliminar arguida
com a extinção do feito sem resolução de mérito. No mérito, atribui o atraso na entrega do imóvel
a motivo de força maior, devido ao aquecimento inesperado e imprevisto da atividade de
construção civil. Informa que os autores já se encontram na posse do imóvel. Argumenta, ainda, a
inexistência de abusividade nas cláusulas contratuais, a legalidade da cobrança de juros de 12%
ao ano logo após a expedição do habite-se e que o instrumento particular de promessa de compra
e venda mantém o equilíbrio contratual entre as partes. Finalmente, afirma que não há
abusividade na escolha de administradora e indicação de síndico. Sustenta que inexiste seu dever
de pagar indenizações por danos morais, materiais e lucros cessantes uma vez que inexiste ilícito
civil ou contratual. Requer, assim, que os pedidos formulados na inicial sejam julgados totalmente
improcedentes, com a condenação dos autores ao pagamento das custas, despesas processuais e
honorários advocatícios. Também juntou documentos.
Os autores apresentaram réplica. Foi designada a audiência prevista no artigo 331
do Código de Processo Civil, na qual, no entanto, não houve conciliação entre as partes.
É O BREVE RELATO.
FUNDAMENTO E DECIDO.
O feito comporta julgamento antecipado, na forma do artigo 330, inciso I, do
Código de Processo Civil, uma vez que a matéria controvertida é de direito e não há necessidade
da produção de provas em audiência.
Trata-se de ação promovida por promissários compradores de imóvel, objetivando
indenização pos danos materiais e morais suportados em razão do atraso na entrega da obra, além
da declaração de nulidade de diversas cláusulas contratuais.
A questão preliminar arguida pela ré na contestação merece acolhida.
A ré não é parte legítima para ocupar o pólo passivo quanto ao pedido de
devolução do valor pago a título de comissão de corretagem e taxa SATI – Serviço de Assessoria
Técnico Imobiliária.
Com efeito, embora a ré tenha estabelecido verdadeira parceria com a Lopes
Consultoria de Imóveis para a venda do empreendimento descrito na inicial, é inquestionável que
os valores relativos à comissão de corretagem foram pagos diretamente à citada empresa e não à
ré. Assim, quanto a esse pedido, deve ser reconhecida sua ilegitimidade de parte.
No mérito, os pedido formulados na inicial são parcialmente procedentes.
Para facilitação da compreensão da sentença, serão apreciados os pedidos
formulados pelos autores.
I - IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA
FIXAÇÃO DE DATA PARA A ENTREGA PELA RÉ DO IMÓVEL. DEFERIMENTO AOS
AUTORES DO PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS, SEM
PENALIDADES, PARA QUE SEJA EFETIVADO O PAGAMENTO FINAL DO PREÇO.
Há verossimilhança de parte dos fundamentos jurídicos trazidos pelos autores.
Primeiro, deve ser reconhecido o inadimplemento contratual por parte da ré:
houve descumprimento do prazo de entrega do imóvel.
Conforme previsão do contrato (pág. 6 do instrumento particular de promessa de
venda e compra de unidade autônoma, fls. 62.), cabia à ré concluir as obras até
FEVEREIRO/2011. Entendo que naquela data, o apartamento vendido para os autores deveria
estar finalizado, com "habite-se" e em condições de entrega das chaves. Esta a melhor
interpretação da disposição contratual (art. 47 CDC), a partir da oferta feita pela ré (art. 30
CDC).
Deve ser deferido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias úteis para o pagamento
da obrigação principal – igualando-se em favor deles promitentes compradores o prazo
explicitado no contrato em favor da promitente vendedora para a entrega do imóvel.
Resta analisar a eficácia e a validade da disposição da cláusula "XXII", in
verbis:
"XXII. As obras deverão estar concluídas no prazo previsto no quadro resumo,
admitida uma tolerância de até 180 (cento e oitenta) dias, para mais ou para menos, salvo
motivo de força maior ou caso fortuíto, ...."
A presente demanda expõe uma situação jurídica pouco comum: uma disposição
contratual em negócio jurídico de consumo pode comportar, a um só tempo, discussão sobre
eficácia e validade? O consumidor pode optar pela qualificação, sucessiva, de uma disposição
contratual no plano da eficácia (para lhe beneficiar como previsto em favor do fornecedor), antes
do plano da validade (para lhe retirar a validade)?
A resposta deve ser positiva.
A interpretação do sistema de normas jurídicas que disciplinam a relação de
consumo deve ser conformada pelos princípios. Primeiro, os princípios constitucionais: a)
dignidade da pessoa humana e b) proteção e defesa do consumidor. E segundo, os princípios da
legislação ordinária, notadamente inseridos no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor: a)
vulnerabilidade do consumidor, b) harmonização dos interesses de fornecedores e consumidores,
sempre fundada no equilíbrio, na boa-fé e na equidade e c) coibição e repressão de abusos
praticados no mercado de consumo, inclusive a proteção dos consumidores contra métodos
comerciais e cláusulas contratuais considerados abusivos e desleais.
Numa sociedade de massa e consumo, os contratos de adesão ganham papel
relevante. Não se cuida de esmiuçar o alcance daquele instrumento contratual dentro dos seus
aspectos jurídicos e econômicos. Todavia, para solução do litígio, interessa destacar: a) o
consumidor recebe do fornecedor as cláusulas concebidas e redigidas pelo último e b) não há
liberdade de discussão do conteúdo e alcance das disposições, no momento da assinatura do
contrato.
A realidade dos negócios jurídicos impõe a interferência do Estado. O Poder
Legislativo no estabelecimento de normas – como aquelas antes referidas. Ao Poder Judiciário
cabe a missão da aplicação daquelas normas ao caso concreto.
Nesta linha de pensamento, ao consumidor deve ser dada a oportunidade de
análise efetiva das disposições contratuais, na busca de uma concretização da sua proteção. O
ordenamento jurídico admitiu o estreitamento do campo da liberdade contratual: ao consumidor
é imposto um estado de sujeição a métodos comerciais (publicidade e estratégia de marketing).
Se depois de assinar o contrato, o consumidor perceber no instrumento de adesão uma disposição
com obrigações ou direitos desproporcionais e que somente beneficiam exageradamente o
fornecedor, a ele deve ser dada a alternativa: a manutenção ou a exclusão da disposição no
âmbito do contrato.
Explicitando-se o entendimento acolhido por esta magistrada, tem-se que,
diante de uma disposição contratual com previsão injusta e desequilibrada de direitos e
obrigações das partes, poderá o consumidor:
a) solicitar a ampliação ou redução do alcance da disposição, de modo a que o
equilíbrio e a justiça contratual sejam respeitados, colocando-se em iguais dimensões as
obrigações e os direitos das partes (uma solução no campo da eficácia) ou
b) pedir simplesmente a exclusão da cláusula do corpo do contrato porque
No caso sob julgamento, tem-se uma interessante situação de fato e de direito.
Os consumidores autores preferem – ao menos é isto que se extrai da inicial – que seja eles
concedido o mesmo prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias para cumprimento de uma
obrigação contratual. Trata-se de equiparar-se a tolerância contratual. Se vale a prorrogação
imotivada para a construtora entregar o imóvel, também vale o pagamento da parcela final do
preço – tudo isso, logicamente, sem prejudicar a entrega das chaves. Somente se não for deferido
igual tratamento de tolerância aos autores consumidores, pretendem eles que a disposição seja
considerada nula (inválida) por abusividade – disposição manifestamente prejudicial aos
promitentes adquirentes.
Em outras palavras, diante de uma cláusula que dispôs sobre uma concessão em
favor do fornecedor ligada ao prazo de entrega do imóvel, os consumidores optaram pela
extensão de sua eficácia de modo a que igual tratamento fosse a eles conferido para a entrega do
dinheiro (parcela final). Grosseiramente, pode-se dizer que o pleito dos consumidores apenas
mencionou: "se vale para construtora, queremos igual direito; ou vale para os dois, ou não vale
para nenhum dos dois".
Por fim, cabe definir-se o vencimento e o cálculo da parcela final do preço
(entrega das chaves).
A parcela de R$ 182.300,00 sofrerá os acréscimos normais (excluindo-se
quaisquer encargos da mora), respeitando-se os termos do contrato, até a data de entrega das
chaves. Não houve impugnação pelos autores dos eventuais acréscimos previstos no contrato. O
cálculo deverá ser trazido para os autos pela ré, dando-se ciência pela imprensa aos autores.
Daquela data de ciência da entrega das chaves e dos cálculos pela imprensa,
terá início o prazo de 180 (cento e oitenta) dias úteis para a quitação pelos autores. As partes
deverão informar por petição nos autos o termo final do prazo, considerando-se os dias úteis
(com movimentação bancária). Neste prazo, não haverá incidência de quaisquer acréscimos:
juros de mora, correção monetária e multa moratória.
Ou seja, para quitação da parcela final, os autores terão a tolerância de 180
(cento e oitenta) dias sem qualquer acréscimo, seja a que título for. Apresentado o valor devido,
ele será fixo pelo referido período.
Porém, se não houver pagamento integral (e a parcela deverá ser integralmente
paga), a consequencia será a devolução das chaves e da posse do imóvel para a construtora.
Será expedido mandado de reintegração de posse em favor da ré. Não será admitida purgação da
mora – porque a medida revela-se estranha ao assunto da demanda e ao alcance da liminar. Isto
é, não cumprida a obrigação pelos autores, de acordo com a liminar, perderão o direito à posse
obtida.
A sanção processual em desfavor dos autores tem razão de ser. Entendo justo e
adequado, de um lado, reconhecer-se a mora da construtora. Se atrasou a entrega do imóvel, não
pode cobrar encargos da mora pelas parcelas vencidas após 01.03.2011. Nesse panorama,
considerando-se a previsão contratual de uma tolerância do prazo de entrega do imóvel por 180
dias úteis, conferiu-se validade e eficácia à disposição contratual, mas com extensão em
benefício dos consumidores para a obrigação de pagamento. E de outro lado, não se discutiu
validade e eficácia do atrelamento contratual da entrega das chaves ao pagamento da parcela
final do preço. Isto permanece, respeitando-se a carência deferida em favor dos consumidores."
(negrito e grifo do texto).
A contestação apresentada não alterou aquela convicção inicial. O fato de
haver atraso nas obras e na entrega das chaves configurou fundamento bastante para a eficácia das
disposições contratuais em favor dos autores (consumidores). Nada mais do que a incidência das
normas constitucionais (princípios e direitos fundamentais ligados à igualdade e à proteção do
consumidor) e das normas do Código de Defesa do Consumidor (princípio do equilíbrio da
relação de consumo fundada na boa-fé e no equilíbrio).
II – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MULTA
COMPENSATÓRIA. DESPESAS COM REFORMAS. LUCROS CESSANTES.
RESSARCIMENTO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM.
Considerado o prazo inicial de fevereiro de 2011 (fls. 06 do contrato, fls. 62 dos
autos.) mais o período de tolerância de 180 dias úteis (dias úteis são todos exceto domingos e
feriados nacionais), a ré teria até o último dia de agosto de 2011 para entregar o imóvel.
Observo que não houve motivo de força maior para justificar a incidência da
prorrogação prevista no item "XXII". E de qualquer forma esta nova prorrogação pode ser
qualificada como abusiva, porque representava disposição excessivamente desfavorável para os
consumidores. Cabia à construtora fazer um planejamento de obras capaz de abranger
acontecimentos normais e anormais (chuvas excessivas). Daí porque declara-se a nulidade da
cláusula XXII do contrato.
Porém, de maneira ilegal, não aceitou conceder aos autores o mesmo benefício
contratual de tolerância.
Não há que se falar, por seu turno, em congelamento da correção monetária do
saldo devedor do imóvel desde fevereiro de 2011, como pretende a autora. Como é sabido, a
correção monetária não constitui qualquer acréscimo ao bem, mas apenas é mecanismo de
preservação de seu valor, o que, por sí só, retira a razoabilidade da pretensão formulada.
No mais, resta analisar as alegações de nulidade de outras diversas cláusulas
previstas no contrato. Não se verifica, no entanto, qualquer ilegalidade ou abusividade nas
cláusulas apontadas na inicial, nem tampouco que sejam restritivas dos direitos da autora.
Nula não pode ser considerada a cláusula que prevê a incidência de juros de 12%
ao ano, decorrente da incidência da Tabela Price. Há que se salientar, como consta inclusive do
julgamento da Apelação Cível nº. 516.280.4/9-00 da Comarca de Guarulhos que, ao contrário do
que sustenta a autora, “a aplicação da Tabela Price e dos juros sobre o saldo devedor não são
legalmente vedados” e, ainda, que “a Tabela Price não importa anatocismo”.
Anote-se que a Tabela Price constitui "método consagrado de financiamento ou
empréstimo a longo prazo, com pagamento em prestações periódicas e fixas, em que os juros são
imputados com prioridade sobre a amortização do capital, invertendo-se essa equação ao longo do
contrato", não configurando, pois, anatocismo (TJSP - Apelação Cível nº. 1.079.113-0 - São Paulo
11ª Câmara de Direito Privado - Rel. Renato Rangel Desinano - j. 15.12.2005).
Da mesma forma, não há nulidade na cláusula que prevê que a cobrança de
condomínio terá início a partir da instalação do condomínio, diante da própria natureza da
obrigação que é, como é sabido, propter rem. Nem tampouco, se pode admitir que a cláusula que
concede à ré o direito de contratar empresa para administração do condomínio, ou aquela que
confere o direito à construtora de manter placas de venda nas partes comuns do edifício, violaria a
liberdade da autora, quando é certo que estas disposições podem ser submetidas à deliberação em
assembléia de condôminos.
Finalmente, inexiste abusividade na cláusula que estabelece a denominada "taxa
de cessão", pois é certo que a mesma é instituída em razão de serviço que será efetivamente
prestado pela vendedora, com a avaliação da capacitação jurídica e financeira, se o caso, do novo
contratante, que assumirá as obrigações da compradora.
E não há que se falar em indenização de lucros cessantes. O imóvel será
destinado a moradia dos autores, como assinalado na inicial. Eles moravam em imóvel próprio.
Rejeito o pedido de restituição dobrada da comissão de corretagem. Tratavase de despesa da ré, mas que podia ser atribuída aos autores como ressarcimento. Daí a razão para
a elevação da base de cálculo da multa compensatória. Mas, insisto, não havia ilegalidade porque
bastava à ré exigir a quantia correspondente à comissão de corretagem dos autores consumidores
como valor de sinal e, depois, destiná-la para os corretores.
Por último, reconheço a existência de danos morais. Mesmo considerado o
período de tolerância de 180 dias, os autores ainda viram um substancial atraso na entrega do
imóvel. Passaram-se 12 meses, até que os autores recebessem as chaves do imóvel.
Oportuno o magistério de José de Aguiar Dias sobre o dano moral (in “Da
Responsabilidade Civil”, Forense, Tomo II, 4a. ed., 1960, pág. 775):
"Ora, o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão do direito e não a própria
lesão, abstratamente considerada. O conceito de dano é único, e corresponde a lesão de direito.
Os efeitos da injúria podem ser patrimoniais ou não, e acarretam, assim, a divisão dos danos em
patrimoniais e não patrimoniais. Os efeitos não patrimoniais da injúria constituem os danos não
materiais."
No mesmo sentindo, sobressai a lição do professor Carlos Alberto Bittar (in
“Reparação Civil por Danos Morais”, RT, 1993, págs. 41 e 202) sobre a extensão jurídica dos
danos morais:
"Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do
plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto,
como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da
intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive
e atua (o da reputação ou da consideração social).
“...
“Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece, de
início, a orientação de que a responsabilidade do agente se opera por força do simples fato da
violação. Com isso, verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a necessidade da reparação,
uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa ponderação, emergem duas conseqüências
práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a dispensa de análise da
subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova do prejuízo em concreto.” (negrito
nosso).
As lições dos ilustres juristas servem de ponderação no caso presente. Em alguns
acontecimentos, provado o fato danoso, surge como conclusão inafastável e independente de
outras provas a obrigação de reparação dos danos morais. É o que ocorre, por exemplo, com a
perda de um ente querido.
Do mesmo modo, entendo que se pode concluir que, uma vez provada a
violação de direitos do consumidor, surgirá em seu benefício, ipso facto, o reconhecimento
da indenização dos danos morais independente da análise subjetiva do sentimento do
ofendido ou da produção de outras provas. Ademais, numa sociedade de massa em que se
privilegia o consumo e o crédito ao consumidor, torna-se fato notório a importância dada à
existência de eventos danosos aos consumidor.
Preocupa-me a tese esposada por alguns intérpretes do Direito, diferenciando o
dano moral dos transtornos causados pelo cotidiano, que não seriam indenizáveis. A Constituição
Federal concebeu a indenização dos danos morais sem qualquer restrição, não cabendo ao
Estado (legislador ordinário ou juiz) diminuir o alcance de tão importante direito
fundamental.
Por isso, como regra ampla e geral, onde existir o desconforto, o transtorno, o
incômodo, etc. haverá lugar para a indenização por dano moral. Logicamente, como exceção, os
abusos (a patologia) deverão ser extirpados e combatidos, sem preconceitos e sem a preocupação
com uma “indústria do dano moral”, pensamento, “data venia”, sem qualquer fundamento
jurídico.
Sobre esta parte, colhe-se a magnífica manifestação do Min. FRANCISCO
REZEK (participando do julgamento do recurso extraordinário já citado, RT 740/205), que vê na
tímida atuação do foro cível - ao lado do foro criminal - uma das causas da sensação de
impunidade do país:
“Volto agora ao que nos interessa: receio que seja também ideológica a leniência
do foro cível - que responde, tanto quanto o foro criminal, pela imagem do “país da impunidade”
- no domínio das relações do cidadão, visto na sua qualidade de consumidor, com todas as forças
estabelecidas no plano econômico: o comerciante, o industrial, o prestador de serviços, o
banqueiro, o próprio Estado-empresário. A tendência do Poder Público diante dos reclamos do
consumidor sempre foi - neste país mais do que nos outros - a de reagir com surpresa. O que é
isso ? Que história é esta ? Não é caso de indenização; não é caso da pessoa sentir-se tão
lesada; não é caso de pedir em juízo reparação alguma. Parece-me que essa forma de leniência
no foro cível deveria finalmente, à luz da CF/88, encontrar seu paradeiro, produzindo uma
situação nova, condizente com os termos da Carta.” (negrito nosso).
Na verdade, o que se depreende dos autos é a falta de controle da ré sobre o
procedimento de cumprimento da obrigação contratual. Um completo e absurdo descaso!
A função da indenização oriunda do dano moral tem dividido as opiniões dos
autores. Clayton Reis (in “Dano Moral”, Forense, 2a. ed., 1.992, págs. 78/82) afirma que “todos
os doutrinadores são uniformes em defender a tese de que a função da reparação de danos
morais é meramente compensatória”, porém também diz que “a compensação da vítima tem um
sentido punitivo para o lesionador, que encara a pena pecuniária como uma diminuição do seu
patrimônio material em decorrência do seu ato lesivo”. Augusto Zenun (in “Dano Moral”,
Forense, 6a. ed., 1.997., págs. 109/139) reserva à reparação dos danos morais a finalidade
compensatória pelos “derivativos”, sugerindo “o arbitramento de derivativos suficientes e
capazes de minorar a dor, ou por melhor explicar, as seqüelas que a dor moral causa
(sentimentos, depressão, desvios da normalidade de vida, alheiamento parcial ou total)”. Pela
tese do mencionada autora, os derivativos serviriam para compensar e consolar o ofendido. O
professor Caio Mário da Silva Pereira (in “Responsabilidade Civil”, Forense, 3a. ed., 1.992,
págs. 56/62) mostra-se amplamente favorável à indenização por dano moral, sublinhando que “a
par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório”.
Na jurisprudência, colhe-se o brilhante voto do Desembargador Walter Moraes
(RT 650/63) que destaca a finalidade compensatória da reparação do dano moral, negando sua
função punitiva mas admitindo que deva ter o condão de inibir o ofensor:
"O dano moral não se avalia mediante cálculo matemático-econômico das
repercussões patrimoniais negativas da violação - como se tem feito às vezes - porque tal cálculo
já seria a busca exatamente do minus ou do detrimento patrimonial, ainda que aproximativa
estimação. E tudo isso já esta previsto na esfera obrigacional da indenização por dano
propriamente dito (CC, art. 1553). A reparação pecuniária pelo dano moral, descartada já a
impossibilidade da eqüiponderância de valores, tem outro sentido, como anota Windscheid
acatando opinião de Wichter: compensar a sensação de dor da vítima com uma sensação
agradável em contrário (nota 31 ao parágrafo 455 das Pandette, trad. Fadda e Bensa). Assim, tal
paga em dinheiro deve representar para a vítima uma satisfação, igualmente moral, ou, que seja,
psicológica, capaz de neutralizar ou anestesiar em alguma parte o sofrimento impingido; como
diz Roberto Brebbia (El Daño Moral, p. 28), "uma soma de dinheiro ao danificado para que este
possa proporcionar-se uma satisfação equivalente ao desassossego sofrido", pois "o dano moral
(diz noutro ponto) compreende a estimação dos padecimentos, o temor das conseqüências
definitivas ou transitórias do dano emergente" (p. 154). A eficácia da contrapartida pecuniária
não esta na aptidão para proporcionar a satisfação em justa medida, de modo que tão pouco
signifique um enriquecimento sem causa da vítima, mas esta em produzir no causador do mal,
impacto bastante para dissuadi-lo de igual ou novo atentado. Trata-se, então, de uma estimação
prudência, que não dispensa sensibilidade para as coisas da dor e da alegria, para os estados
d'alma humana, e que deve ser feita pelo mesmo juiz ou, quando muito, por outro jurista; inútil
sempre por em ação a calculadora do economista ou do técnico em contas. É nesse sentido que o
citado Brebbia, na sua excelente monografia sobre o dano moral, assinala alguns elementos que
se devem levar em conta na fixação do reparo: a gravidade objetiva do dano, a personalidade da
vítima (situação familiar e social, reputação), a gravidade da falta (conquanto não se trate de
pena, a culpa da ação implica na gravidade da lesão), a personalidade (as condições) da autora
do ilícito (p. 119)". (negrito nosso).
Concluindo, também entendo que a finalidade principal da reparação centra-se na
compensação destinada à vítima, como forma de aliviar (se não for possível eliminar) a lesão
experimentada. Todavia, em determinados casos, também a função inibitória (uma idéia
aproximada à da sanção civil) assume relevante papel, a fim de que o ofensor seja punido de tal
forma a não praticar atos similares.
Nas ofensas cometidas contra os consumidores, a função inibitória assume
destacada importância, sendo imprescindível que a indenização possa persuadir - desestimular -
o fornecedor (ofensor); afinal, para grandes empresas uma condenação em valores ínfimos poderá
representar um risco assumido na adoção de posturas ilegais contra os consumidores (todos
sabem que nem todos os ofendidos ingressam em Juízo na defesa dos seus direitos e interesses).
Na hipótese sob exame, revelando-se significativa ambas as funções
compensatória e inibitória, entendo que a indenização do dano moral deve ser fixado em R$
30.000,00 (trinta mil reais). A repercussão do dano foi levada em conta, na medida em que se
situou dentro de padrões intensos. A função compensatória estará bem atendida, porque os autores
disporão de quantia suficiente a neutralizar os negativos efeitos do constrangimento
experimentado. A ré terá mais atenção com os consumidores e poderá facilitar a solução dos
litígios em Juízo, trazendo propostas de acordo e, quem sabe, até procurando a parte contrária
para uma breve composição. Diante de um equívoco manifesto do fornecedor, sua postura em
relação às lides forenses deveria ser outra!
Concluindo-se, entendo que o valor da multa compensatória será suficiente
para fazer frente à indenização dos danos materiais e morais. Ou seja, como não houve
prejuízo que excedesse o valor da cláusula penal, caberá à ré pagar apenas o valor daquela multa
– não cumulativa, repito, com as despesas e indenizações pretendidas pelos autores.
DISPOSITIVO.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação
promovida por BERTA ANDRESSA DE CARACCIO MARQUES KUSUMOTO, EMERSON
YOSHIO KUSUMOTO em face da Even Construtora Chamaeleon Even, nos seguintes termos,
com ratificação da liminar de tutela antecipada e acrescentando-se:
A) reconhecer o inadimplemento contratual da ré na obrigação de entrega do
imóvel, computado o prazo de 180 dias úteis previstos no contrato (dando-se a este prazo
validade e eficácia).
B) declarar a validade e eficácia da cláusula "XXII" em favor das duas
partes. Para a fornecedora, conferindo-se tolerância de 180 dias úteis para a entrega do
imóvel, contados de 01.03.2011. Para os consumidores, conferindo-se tolerância de 180 dias
úteis para o pagamento da parcela final ("entrega de chaves") no valor (original e a sofrer
acréscimos do contrato, excluídos encargos de mora) de R$ 182.300,00 (cento e oitenta e dois
mil e trezentos reais). A parcela de R$ 182.300,00 sofrerá os acréscimos normais (excluindo-se
quaisquer encargos da mora), respeitando-se os termos do contrato, até a data de entrega das
chaves. O cálculo deverá ser trazido para os autos pela ré, juntamente com a defesa ou com
o comprovante de entrega das chaves, dando-se ciência pela imprensa aos autores. Até o
momento, a ré não cumpriu esta parte da liminar e, portanto, ainda não começou a
transcorrer o prazo de 180 dias para pagamento.
C) daquela data de ciência da entrega das chaves e dos cálculos pela
imprensa, terá início o prazo de 180 (cento e vinte) dias úteis para a quitação pelos autores.
As partes deverão informar por petição nos autos o termo final do prazo, considerando-se os dias
úteis (com movimentação bancária). Neste prazo, não haverá incidência de quaisquer acréscimos:
juros de mora, correção monetária e multa moratória. Efetivado o pagamento pelos autores,
diretamente à ré (mediante recibo) ou por depósito judicial nos autos, estará cumprida a liminar,
aguardando-se então a solução definitiva da lide. Insista-se, os autores terão a posse do imóvel e
nela permanecerão, até a referida solução. Porém, se não houver pagamento integral (e a parcela
deverá ser integralmente paga), a consequencia será a devolução das chaves e da posse do imóvel
para a construtora. Será expedido mandado de reintegração de posse em favor da ré. Não será
admitida purgação da mora – porque a medida revela-se estranha ao assunto da demanda e ao
alcance da liminar. Isto é, não cumprida a obrigação pelos autores, de acordo com a liminar,
perderão o direito à posse obtida.
D) declarar-se a nulidade da cláusula XXII do contrato.
E) condenar a ré ao pagamento de multa compensatória no valor de R$
31.074,66 (trinta e um mil e setenta e quatro reais e sessenta e seis centavos). O valor será
acrescido de juros de mora de 1% ao mês (capitalizados anualmente) e de correção monetária
(calculada pelos índices adotados pelo TJSP), ambos a partir de 22.5.2012 – data de sua
exigibilidade e configuração da mora. A multa servirá para indenizar os autores pelas perdas e
danos materiais (R$ 530,00) e dos danos morais (R$ 30.000,00). Fica claro que as verbas não são
cumulativas.
REJEITO EXPRESSAMENTE OS DEMAIS PEDIDOS FORMULADOS
PELOS AUTORES.
Considerando-se a sucumbência da ré na maior parte do pedido, arcará com 70%
das despesas e custas do processo (atualizadas). Também suportará o pagamento dos honorários
advocatícios, estes fixados em para a fase de conhecimento, em 10% (dez por cento) do valor
integral do débito relativo à multa compensatória (principal com juros e correção). Se não houver
cumprimento voluntário da sentença, na fase de execução os honorários serão elevados para 20%
(vinte por cento) – para abranger as duas fases, numa única incidência.
Sem prejuízo dos efeitos da tutela antecipada, fica a parte ré intimada a cumprir a
obrigação de pagamento, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data em que a condenação se
tornar exigível, em primeiro ou segundo grau, sob pena de incidência da multa processual de 10%
(dez por cento), na forma do artigo 475-J do Código de Processo Civil.
P.R.I.C.
São Paulo, 11 de dezembro de 2012.


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Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.

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